domingo, 23 de março de 2008

Miguel Torga


.
.
.
(Dezoito asas rumorosas...)
.
.
.
.
.
.
O primeiro bando de perdizes roncou, e tirou-lhe duas.

No meio do silêncio contido, que a cada momento ameaçava romper-se, o cão parado, a espingarda em meia pontaria, os pés fincados no chão mas tensos como molas, uma gota misteriosa caiu no copo e fê-lo transbordar.

Dezoito asas rumorosas ergueram-se do carqueijal, o Nilo saltou, os tiros partiram, e resultou daquela explosão de força o aniquilamento inevitável de dois seres.

Tudo certo e perfeito.

O catastrófico, o absurdo, fora a continuação da inércia.

A verdadeira morte seria a vida parada, cada respiração a encolher-se, cautelosa.

Assim é que o caçador se sentiria criminoso, o perdigueiro fera, as perdizes vítimas.



- MIGUEL TORGA, Vindima, XIV, princípio.

Fotografia : Corvo,Abril de 2006




(Rua-das-Pretas)

2 comentários:

Márcio disse...

Não conheço muito de Miguel Torga apesar de ter estudado mas a foto que postou aí... ... essa eu conheço muito bem! LINDA FELGUEIRAS!!!!!
Abraço

Márcio disse...

Até à próxima...