segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Há 54 anos MIGUEL TORGA escrevia

Data de 1 de Outubro de 1953, este texto escrito por Miguel Torga, que diz:
No fundo, foi bom eu ter abandonado a casa paterna quase ao nascer. Fiquei sempre a ver as palhas do milho como penas de aconchego. Não houve tempo para a mínima erosão. Envolvidas numa redoma de saudade que nunca foi quebrada, as impressões infantis guardam toda a pureza de um amanhecer sem ocaso. Intemporal e mítica, a paisagem geográfica é nos meus sentidos uma perpétua miragem; quanto à outra, a humana, tais virtudes lhe descubro, que parece que só junto dela sou gente. Às raras horas de céptica objectividade são guinadas passageiras. È na exaltação e na confiança que o corpo respiram aqui. Em cada visita que faço a este chão amado lembra mais uma peregrinação de sonâmbulo do que um contacto acordado. É como se viesse ao cimo de uma serra cumprir uma promessa e andasse de joelhos à volta da ermida a cercá-la de intangibilidade, sem olhos para reparar nas imperfeições do orago.

Miguel Torga in DIÁRIO VII

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