sábado, 15 de setembro de 2007

Os Castanheiros

Tudo nesta árvore é prodigioso e admirável. Chamavam-lhe os velhos serranos os ossos de Portugal. Que são pluricentenares di-lo o prolóquio que reza a sua vitalidade: trezentos anos a crescer, trezentos no seu ser e trezentos anos a morrer. Alguns, pela sua grandeza ou qualquer outra circunstância, deram o nome à localidade. Na Beira há muitos povos assim chamados. Até um, na estrada de Moimenta para Lamego, se chama Castanheiro do Ouro.
O castanheiro, escusa-se dizê-lo, é o rei da nossa flora. Tudo ele dé, sombra, de comer, lenha, e uma madeira preciosa que tanto desafia o caruncho como o tempo. Com efeito, a madeira de castanho longal é branca e dura como o aço; já a do rebordão é vermelha e doce como a cera, sem perder as qualidades natas da resistência. Era desta espécie que imaginários e entalhadores se utilizavam na escultura e na talha rendada dos altares. O canivete cortava como em miolo de sabugueiro.
Em pé, o castanheiro é um mundo. Além do seu grande préstimo para o homem, é a cidade livre dos pássaros. Fazem-lhe o ninho nas franças a torda, o melro, o gaio, o marantéu, o tentilhão e outros; nas pernadas altas abrem sua cela, com a goiva do bico, o peto e o cavalinho. Após eles vem a poupa, a ave especiosa de pente sevilhano na cabeça, e elege ali o gineceu. De modo que o castanheiro é uma árvore de virtudes universais. Dá sustento ao pobre e ao rico; sombra fresca como a água ao viandante e à romeirinha; lenho admirável para trave e masseira, caixilho e arca; oferece um abrigo cómodo aos bichinhos de Nosso Senhor. Que mais?
Todas as manhãs embaciadas do Outuno, se vêem raparigas de capucha pela cabeça, giga debaixo do braço, dobradas pelas leiras à apanha do fruto paquenino e maravilhoso. Depois, por altura dos Santos, virão os rebusqueiros. São os pobres das aldeias em que morreram os soutos ou que sempre careceram desta árvore providencial. Aos bandos, antes que venham os corvos rebuscar o folhedo, varejam eles os castanheiros.

AQUILINO RIBEIRO, in Panorama, 7-8, 2º série.

Sem comentários: